30 agosto, 2006

grades


atrás das grades.

acordou com tiros, muitos. o coração acelerado. seriam tiros ou bombas? já está acostumada aos morteiros das madrugadas, todos estão, basta fechar os olhos e dormir assim que eles suspendem as bombas. mas hoje foi diferente, vinham ruídos da rua. vestiu um casaco maior, que agasalhasse e tapasse suas pernas nuas. atravessou a villa em silêncio, todos fingiam dormir. o porteiro já estava grudado na grade olhando para fora:"ih... hoje a coisa está pegando fogo aí na favela, a polícia vai subir, estão dizendo." sirenes se misturavam a gritos de mulheres que corriam pelas calçadas. não podiam abrir o portão, ordem do síndico, poderia haver invasão.

algum tempo depois os tiros diminuíram, as mulheres se calaram, algumas se aproximaram da grade, talvez na esperança de acolhimento, uma delas chorava, dizia que precisava subir no morro, os filhos a esperavam, outra temia o companheiro:"aquele miserável ainda é capaz de achar que eu não subi porque estou com outro por ai" encostada na grade fria, sentia mais medo do que o normal, os tiros não chegariam até ali, mas sabia que a partir daquele dia o bairro não seria mais o mesmo. passou a noite conversando com aquelas mulheres desconhecidas, ofereceu café, biscoito, desejou que entrassem. lá dentro só o gato a aguardava, nada urgia, nem na madrugada fria, nem na manhã que se aproximava. neste dia sentiu-se menos só.